Hematopoiese
A hematopoiese, também conhecida como hemocitopoese, hemopoese ou hematopoese, é o processo de produção de células do sangue, envolvendo a proliferação, a diferenciação e a maturação celular. Esse processo é fundamental para a vida humana, já que as células do sangue sofrem degeneração e morte celular após algum período na corrente sanguínea, e devem ser renovadas pela hematopoiese.
O local de formação das células sanguíneas muda ao longo do tempo. Nas fases iniciais da vida do embrião a hematopoiese ocorre principalmente na vesícula vitelínica. Em seguida passa a acontecer no fígado fetal, e posteriormente se concentra predominantemente na medula óssea, onde continua até a vida adulta.
Os diferentes tipos de células sanguíneas (hemácias, leucócitos e plaquetas) se originam de um precursor comum, uma célula-tronco indiferenciada. A diferenciação em cada tipo celular se dá através de processos conhecidos como eritropoiese (hemácias), granulocitopoiese ou mielopoiese (granulócitos), monopoiese (monócitos), linfopoiese (linfócitos) e trombocitopoiese (plaquetas).
Este artigo irá discutir a hematopoiese, suas fases e os locais onde ocorre, e o processo de diferenciação dos diferentes tipos de células sanguíneas.
Definições |
Hematopoiese: processo geral de produção de células sanguíneas Eritropoiese: processo de produção de hemácias (eritrócitos) Granulocitopoiese: processo de produção de granulócitos (neutrófilos, basófilos e eosinófilos) Monopoiese: processo de produção de monócitos Linfopoiese: processo de produção de linfócitos Trombocitopoise: processo de produção de plaquetas (trombócitos) |
Fases da hematopoiese |
Fase mesoblástica: fase inicial da hematopoiese na vida intra-uterina. Ocorre na vesícula vitelínica Fase hepática: segunda fase intra-uterina da hematopoiese. Ocorre no fígado hepático entre a 4ª e a 6ª semanas de vida intra-uterina Fase medular: produção das células sanguíneas passa a ser realizada na medula óssea a partir da 11ª semana gestacional, até a vida pós-natal |
Linhagens celulares |
Células-tronco: capazes de formar novas células-tronco, se diferenciar em células de diferentes linhagens e colonizar a medular óssea para reconstituir o sistema hematopoiético Células mieloides: se diferenciam em hemácias, granulócitos, monócitos ou plaquetas Células linfoides: se diferenciam em linfócitos |
- Fases da hematopoiese
- Linhagens celulares
- Eritropoiese
- Granulocitopoiese
- Trombocitopoiese
- Linfopoiese
- Notas clínicas
- Referências
Fases da hematopoiese
Fase mesoblástica
A primeira evidência de formação de células sanguíneas surge por volta de duas semanas de gestação, quando células mesodérmicas se agrupam no saco vitelínico do embrião em desenvolvimento. O nome dessa fase faz referência ao mesoderma do saco vitelínico, onde o processo ocorre. Esse período é conhecido também como fase extra-embrionária da hematopoiese.
Os grupamentos celulares do saco vitelínico têm potencial para se diferenciar em células vasculogênicas ou hematopoieticas, e por isso são chamadas de hemangioblastos. As células mais periféricas se diferenciam em endotélio, formando portanto vasos sanguíneos, enquanto as demais vão dar origem principalmente a eritroblastos primitivos (células precursoras das hemácias). Esse processo prossegue até a 6ª semana de vida intra-uterina.
Fase hepática
Após o início dos batimentos cardíacos fetais, e consequentemente da circulação sanguínea fetal, ocorre uma migração das células originadas dos vasos em desenvolvimento para o fígado fetal. Esse processo acontece entre a 4ª e a 6ª semana de vida intra-uterina, e marca o início da fase hepática da hematopoiese.
Nessa segunda etapa acontece principalmente o desenvolvimento de hemácias, granulócitos e monócitos, e surgem as primeiras células linfoides e os primeiros megacariócitos.
Alguns outros órgãos contribuem com a formação celular durante a fase hepática, principalmente o baço, o timo e os linfonodos, que colaboram especialmente com a produção de linfócitos.
A produção de células sanguíneas pelo fígado vai sofrendo declínio gradual durante o restante da gestação, até que cessa completamente por volta do momento do nascimento.
Fase medular
Por volta da 11ª semana gestacional ocorre a colonização da medula óssea pelas células hematopoiéticas. À medida que avança a ossificação do esqueleto, esse local se torna cada vez mais importante na produção de células sanguíneas, persistindo como principal sítio de hematopoiese após o nascimento.
No período pós-natal todas as células sanguíneas são derivadas primariamente da medula óssea. Os linfócitos T sofrem diferenciação no timo, mas são originados de células da medula óssea que migraram para aquele órgão.
Linhagens celulares
As células sanguíneas se originam todas de um precursor comum indiferenciado, as chamadas células-tronco pluripotentes. Ao se dividir, essas células dão origem a células-filhas, que por sua vez podem permanecer como células-tronco pluripotentes, contribuindo para a manutenção da população desse grupo celular, ou se diferenciar em outros tipos celulares.
As células-tronco possuem portanto algumas características especiais, que as distinguem dos demais tipos celulares envolvidos na hematopoiese:
- Formam novas células tronco, mantendo a sua população inalterada, um processo conhecido como autorrenovação.
- São capazes de se diferenciar e originar diferentes linhagens celulares sanguíneas.
- São capazes de colonizar a medular óssea e reconstituir o sistema hematopoiético caso esse seja destruído. Essa habilidade permite que essas células sejam usadas em transplantes de medula óssea.
Quando as células tronco pluripotentes se diferenciam elas dão origem a duas linhagens celulares principais, as células mieloides, que eventualmente vão originar as hemácias, os granulócitos, os monócitos e as plaquetas, e as células linfoides, que formam os linfócitos. Essas células mieloides e linfoides possuem menor potencial de diferenciação do que as células-tronco pluripotentes, e são conhecidas como células progenitoras multipotentes.
Ao se dividir, as células progenitoras podem formar novas células progenitoras, para manter a sua população, ou se diferenciar em células precursoras, chamadas de blastos. É nessas células que as características que diferenciam cada linhagem celular sanguínea são observadas pela primeira vez. Os blastos não possuem a capacidade de produzir novos blastos, e portanto de manter a sua população, mas apenas células que irão amadurecer e se desenvolver em células sanguíneas.
Eritropoiese
O processo de formação das hemácias, a eritropoiese ou eritropoese, começa a partir de uma célula-tronco pluripotente, assim como na formação das demais células sanguíneas. Essa célula pluripotente dá origem a uma célula da linhagem mieloide.
Conforme mencionado anteriormente, as células mieloides possuem potencial para se diferenciar em hemácias, granulócitos, monócitos ou plaquetas. O principal estímulo para a formação de hemácias é a presença de um hormônio chamado eritropoietina, secretado pelos rins em resposta à detecção da redução da quantidade de oxigênio no sangue. Alguns outros fatores químicos participam da estimulação da diferenciação das células mieloides em hemácias, especialmente a interleucina 3.
Após iniciar o processo de transformação em uma hemácia, uma célula mieloide passa por diversos estágios de maturação. Ela recebe um nome diferente para cada um desses estágios: proeritroblasto, eritroblasto basófilo, eritroblasto policromático, eritroblasto ortocromático (ou acidófilo), reticulócito e, por fim, hemácia, ou eritrócito.
Os proeritroblastos são células relativamente grandes, que apresentam um citoplasma basófilo e um único núcleo celular, contendo cromatina arranjada de maneira frouxa, além de um nucléolo visível. Sob influência da eritropietina, os proeritroblastos se diferenciam em eritroblastos basófilos, cujo citoplasma é intensamente basófilo, como o próprio nome diz. Essas células possuem mais polissomos (locais de síntese de hemoglobina), e não possuem nucléolos visíveis.
Conforme os eritroblastos basófilos se diferenciam, o tamanho das células é reduzido, bem como o número de polissomos. O resultado são os eritroblastos policromáticos, cujo citoplasma possui áreas basófilas (polissomos remanescentes) e áreas acidófilas (áreas de deposição de hemoglobina).
Com a continuação da diferenciação celular ocorre nova redução do volume celular, dando origem aos eritroblastos ortocromáticos, também conhecidos como normoblastos. Essas células não possuem polissomos, e portanto são completamente acidófilas. Em um dado momento os normoblastos expelem o seu núcleo, e as novas células anucleadas passam a ser chamadas de reticulócitos. Os reticulócitos caem na corrente sanguínea, e quando expelem os seus polirribossomos passam a ser chamados de hemácias.
Granulocitopoiese
O processo de maturação dos granulócitos é conhecido como granulocitopoiese, ou granulocitopoese ou ainda mielopoiese. Essas células são caracterizadas pela presença de dois tipos de grânulos que contêm proteínas: os grânulos azurófilos e os grânulos específicos. Os grânulos azurófilos são corados pelos corantes básicos das misturas usuais (Giemsa, Wright), e contêm enzimas lisossomais, enquanto os grânulos específicos contêm diferentes proteínas, conforme o tipo de granulócito (neutrófilos, eosinófilos ou basófilos).
Os neutrófilos são células muito importantes no combate a infecções bacterianas. Assim, seus grânulos específicos são ricos em enzimas proteolíticas, que atuam destruindo proteínas bacterianas; em lisozima, que ataca as paredes celulares e em mieloperoxidase, que gera espécimes de oxigênio tóxico que destroem bactérias invasoras.
Os grânulos específicos dos basófilos contêm histamina e outros agentes inflamatórios que promovem uma resposta inflamatória nos locais de lesão ou infecção. Os grânulos específicos dos eosinófilos contém catepsina e outras proteínas tóxicas que atuam na destruição de parasitos.
O mieloblasto é a célula mais imatura que está destinada a se tornar um granulócito. A seguir essa célula passa por diversos estágios de maturação: promielócito, mielócito, metamielócito, granulócito com núcleo em bastão e enfim granulócito maduro (neutrófilo, eosinófilo ou basófilo).
O mieloblasto é uma célula contendo um núcleo grande com um ou dois nucléolos, e um citoplasma basófilo contendo grânulos azurófilos. Ao se diferenciar, essa célula perde um pouco de citoplasma, tornando-se um promielócito, uma célula menor, mais basófila, com núcleo esférico ou indentado. Os promielócitos já contém grânulos específicos (neutrófilos, eosinófilos ou basófilos).
Quando se torna um mielócito, o citoplasma perde a sua basofilia e adquire grande quantidade de grânulos específicos. Por isso existem diferentes tipos de mielócitos: os mielócitos neutrófilos, os mielócitos basófilos e os mielócitos eosinófilos. Os seus núcleos podem ser esféricos ou riniformes (em forma de rim).
Os metamielócitos correspondem à próxima etapa do amadurecimento dos granulócitos, e possuem núcleos com uma indentação profunda, indicando o início da lobulação característica das células maduras. Na próxima fase essas células são conhecidas como granulócitos com núcleos em bastão, ou ainda bastonetes, e isso se deve ao fato de seus núcleos possuírem o formato de um bastão. Aqui cabem algumas ressalvas: a identificação dos basófilos e dos eosinófilos com núcleo em bastão é muito difícil, de forma que apenas os neutrófilos são normalmente caracterizados nessa fase de bastonetes; além disso, a identificação dos metamielócitos basófilos não é possível nas preparações citológicas usuais. Na última etapa de maturação os núcleos dos bastonetes sofrem modificações. O núcleo dos neutrófilos é segmentado em 2 ou 3 lóbulos. Os eosinófilos possuem um único núcleo riniforme, enquanto os basófilos possuem núcleos bilobulados.
Trombocitopoiese
A trombocitopoiese, também conhecida como trombocitopoese ou megacariocitopoiese, é o processo de formação das plaquetas. A célula mais imatura que dará origem às plaquetas é o megacarioblasto, uma célula com núcleo grande de formato oval ou riniforme, numerosos nucléolos e citoplasma intensamente basófilo. Essas células são poliploides, contendo uma quantidade muito maior de DNA que as demais células somáticas do organismo.
Os megacarioblastos se diferenciam em megacariócitos, células grandes, com núcleo lobulado sem nucléolos. Seu citoplasma é menos basófilo do que as suas precursoras, e contém numerosas granulações que darão origem aos cromômeros das plaquetas. Durante o processo de diferenciação dos megacarioblastos em megacariócitos ocorre a formação de numerosos grânulos citoplasmáticos no complexo de Golgi, que contém substâncias como o fator de crescimento derivado das plaquetas, o fator de von Willebrand e o fator IV da coagulação sanguínea.
Em determinado momento, o citoplasma dos megacariócitos sofre fragmentação, dando origem às plaquetas, que são justamente os fragmentos citoplasmáticos dos megacariócitos.
Linfopoiese
Os linfócitos se originam a partir de células de linhagem linfoide. A primeira célula dessa linhagem é conhecida como linfoblasto. Trata-se de uma célula relativamente grande, arredondada, com citoplasma basófilo. A ausência de grânulos azurófilos permite diferenciar essa célula dos mieloblastos, já que os linfoblastos também possuem citoplasma basófilo.
Os linfoblastos se diferenciam em prolinfócitos, células de menores dimensões, com citoplasma basófilo que pode conter alguns grânulos azurófilos. Os prolinfócitos vão se diferenciar nos linfócitos circulantes.
O processo de amadurecimento dos linfócitos acontece no timo (linfócitos T) e na medula óssea (linfócitos B). Nos tecidos periféricos os linfócitos B se diferenciam em plasmócitos, células produtoras de imunoglobulinas.
A melhor forma de solidificar os seus conhecimentos para que eles não lhe deixem na mão na hora de uma prova é testar se você realmente aprendeu. Para isso, confira nosso teste abaixo sobre as células sanguíneas:
Notas clínicas
Doenças hematológicas
Diferentes distúrbios hematológicos podem ser resultado de uma redução, aumento ou alteração da função de células sanguíneas maduras ou de toda uma linhagem celular. Essas doenças podem ter como causa:
- Uma lesão às células-tronco hematopoiéticas ou ao seu microambiente na medula óssea, que impede a replicação celular.
- Deficiências nutricionais, que suprimem a capacidade da medula óssea de promover a replicação celular.
- Células que não são capazes de se diferenciar, mesmo com células-tronco normais e nutrição adequada.
Na prática clínica utilizamos alguns sufixos para fazer referência a uma redução ou aumento de uma linhagem celular. O sufixo -penia se refere a uma redução no número total de células, por exemplo, o termo trombocitopenia significa queda no número de plaquetas (trombócitos) circulantes, enquanto o termo linfopenia se refere à redução no número de linfócitos. Os sufixos -ose e -filia sugerem aumento do número de células circulantes, como por exemplo no termo leucocitose, que quer dizer um aumento geral do número de leucócitos, ou neutrofilia, que significa que há um aumento do número de neutrófilos circulantes.
Transplante de medula óssea
As células-tronco hematopoiéticas possuem uma habilidade única: são capazes de colonizar a medula óssea e reconstituir o sistema hematopoiético em caso de destruição do mesmo. Esse princípio permite a transferência (transplante) de células de um indivíduo saudável para outro com distúrbios hematológicos relacionados à hematopoiese, como aplasia de medula, por exemplo.
O procedimento normalmente é realizado através de uma punção nos ossos da bacia do doador para obter células hematopoiéticas da medula óssea. Esse material é então introduzido na corrente sanguínea do receptor, e as células hematopoiéticas vão colonizar os seus tecidos e recuperar a função hematopoiética.
Existe ainda uma modalidade de transplante de medula óssea chamado de transplante autólogo, quando são usadas células do próprio indivíduo para restaurar o seu sistema hematopoiético. Ele é usado principalmente em pacientes que vão se submeter a procedimentos que causam dano às células-tronco hematopoiéticas, como radioterapia ou quimioterapia. Assim, antes desses procedimentos é realizada uma coleta de tecido da medula óssea, que é transplantado no próprio indivíduo após a realização do tratamento com radioterapia ou quimioterapia.
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