Histologia da medula óssea
O esqueleto ósseo que sustenta o corpo humano e promove a nossa locomoção tem uma microarquitetura própria e bastante complexa. As cavidades geradas pelo arranjo trabecular na região central dos ossos são ocupadas por uma mistura de células sanguíneas em vários estágios de desenvolvimento, além de adipócitos. Esse tecido é conhecido como medula óssea e é responsável pela produção das células sanguíneas - um processo conhecido como hematopoiese.
Este artigo fará uma revisão da embriologia e da histologia da medula óssea. Além disso, discutirá as linhagens celulares que a constituem e a sua função serão discutidas, juntamente com algumas condições e patologias clinicamente relevantes.
Embriologia
As células tronco hematopoiéticas se originam de células mesodérmicas que foram estimuladas pelo fator de crescimento de fibroblastos 2 (FGF2), Ao se ligar aos seus receptores, o FGF2 induz a diferenciação das células mesodérmicas em hemangioblastos, localizados na parede do saco vitelínico do embrião em desenvolvimento. Os hemangioblastos são precursores tanto de células vasculares quanto de células hematopoéticas. Na presença do fator de crescimento endotelial capilar (VEGF), os hemangioblastos se diferenciam em endotélio vascular. Os hemangioblastos não diferenciados participam, posteriormente, da angiogênese (formação de vasos sanguíneos a partir de vasos sanguíneos pré-existentes) ou da hematopoiese (formação de células sanguíneas). Aqueles localizados mais perifericamente participam da angiogênese, enquanto os mais centrais estão envolvidos na hematopoiese.
Embora o processo de produção de células sanguíneas descrito acima comece por volta da segunda à terceira semana de gestação, a hematopoiese ativa na medula óssea só se inicia na 10ª - 11ª semana gestacional. Lembre-se que a medula óssea ocupa a região central do osso. Portanto, a formação da medula óssea depende do desenvolvimento do osso trabecular. Células mesenquimais esparsas dispostas em meio a uma densa rede de fibrilas, todas circundando uma artéria central, se juntam para formar pequenas cavidades de tecido conjuntivo, localizadas distantes das áreas de ossificação. As primeiras células a serem produzidas na medula óssea são as células mieloides CD15+ (Cluster of Diferentiation 15) e as células positivas para glicoforina A.
Anatomia macroscópica e histologia
Tipos de medula óssea
A medula óssea não tem a rigidez do osso circunjacente. Em vez disso, é uma substância com a consistência semelhante à de uma gelatina, que preenche a cavidade formada pela rede de osso trabecular. A medula óssea compõe cerca de 4 - 5% do peso corporal total de um indivíduo. Apesar de ser considerado um sistema de “baixo peso”, tem um papel bem importante, já que é responsável por produzir plaquetas, linfócitos, eritrócitos, granulócitos e monócitos.
A medula tem duas principais funções. Uma delas é produzir células sanguíneas e a outra é armazenar gordura. Como resultado, existem dois tipos de medulas ósseas no organismo:
- a medula óssea vermelha, altamente vascularizada, hematopoeiticamente ativa;
- a medula óssea amarela, rica em gordura, que tem um número significativamente menor de centros hematopoiéticos e mais adipócitos.
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Medula óssea vermelha
Grupamentos de células hematopoiéticas conhecidos como ilhotas hematopoiéticas se distribuem pela rede de tecido conjuntivo frouxo encontrado na medula óssea. Essas ilhotas podem ser encontradas próximas a sinusoides relativamente grandes de paredes finas que também se comunicam com os vasos nutrícios dos ossos. Os sinusoides estão situados na parte central da circulação sanguínea local, de tal forma que as artérias nutrícias que deixam os seus canais para irrigar os ossos formam anastomoses na medula óssea e terminam como arteríolas, que coalescem para formar os sinusoides. Esses sinusoides, então, drenam para veias significativamente maiores, formando as veias nutrícias, que então saem do osso através dos mesmos canais nutrícios pelos quais as artérias entram.
A medula óssea vermelha pode ser encontrada em todas as estruturas esqueléticas do corpo, sendo identificada desde a vida intrauterina até cerca dos 5 anos de idade. Com o passar dos anos, a medula vermelha fica restrita aos ossos planos centrais (ex. ossos do crânio, clavícula, esterno, costelas, escápula, vértebras e pelve) e às extremidades proximais dos ossos longos dos membros inferiores e superiores.
A substância que sustenta as células hematopoiéticas e adiposas na medula é constituída por reticulina, uma fibra delgada de colágeno tipo III produzida pelo mesênquima derivado de células reticulares (células fibroblasto-like). Outras células de manutenção, como os macrófagos, também estão presentes no estroma e ajudam na hematopoiese ao fagocitar debris celulares gerados nesse processo.
Medula óssea amarela
Dependendo da idade e da demanda hematológica de um indivíduo, as células reticulares aumentam de tamanho como resultado do aumento da captação de lipídios. Assim se forma, consequentemente, a medula amarela. Ela contém principalmente tecido conjuntivo de suporte, que fornece um arcabouço de sustentação para as estruturas neurovasculares que passam pela cavidade. Estão presentes também numerosos adipócitos, além de poucos aglomerados hematopoiéticos inativos. Esses centros hematopoiéticos latentes podem ser reativados em casos de aumento da demanda por glóbulos vermelhos.
Vascularização
A medula óssea é perfundida pelas mesmas artérias que fornecem nutrientes ao osso circundante. Uma artéria e duas veias nutrícias seguem através dos canais nutrícios para entrar ou sair da medula óssea. A artéria nutrícia se bifurca após entrar na medula, com cada artéria resultante dessa bifurcação seguindo pelo eixo longo do osso em direções opostas. Os vasos são tortuosos em seu trajeto ao redor da veia longitudinal central e dos canais venosos da medula.
Posteriormente, as artérias se dividem em vários ramos pequenos para suprir o córtex ósseo. No entanto, algumas dessas arteríolas de paredes finas e seus capilares subsequentes se anastomosam com os plexos dos seios venosos. Esses plexos são tributários das vênulas coletoras, que também drenam para a veia longitudinal central. A veia longitudinal central transporta, assim, células sanguíneas recém-formadas do pool medular e daí para toda a circulação sistêmica. Até o momento não foram identificados canais linfáticos na cavidade medular óssea.
Inervação
Os canais nutrícios - assim como os forames epifisário e metafisário - transportam ainda fibras nervosas amielínicas e mielínicas para o osso e, consequentemente, para a medula óssea. Algumas dessas fibras servem como “vasa vasorum” - inervando a camada muscular lisa dos vasos sanguíneos - bem como o tecido hematopoiético da medula.
Tipos celulares
As análises histológicas da medula óssea mostram várias células progenitoras e seus derivados em diferentes estados de desenvolvimento. Tipicamente, as células progenitoras são maiores do que as células finais. O sufixo “-blasto” geralmente é usado para a célula-tronco daquela série celular (o eritroblasto é a célula precursora do eritrócito, também conhecido como hemácia).
A seguir temos uma lista das linhagens celulares encontradas na medula óssea:
- Granulócitos - linha especial de células brancas sanguíneas que possuem grânulos no seu citoplasma. Existem três tipos de granulócitos: eosinófilos, basófilos e neutrófilos.
- Monócitos - leucócitos que se diferenciam em macrófagos. Lembre-se que existem subtipos diferentes de macrófagos, dependendo da região do corpo na qual eles são encontrados (ex.: células de Kupffer no fígado).
- Eritrócitos ou hemácias - são células anucleadas, bicôncavas e carreadoras de oxigênio.
- Megacariócitos - é outra grande célula, que é responsável pela trombocitogênese, ou seja, produção plaquetária.
- Linfócitos - são todos produzidos na medula óssea. Entretanto, a maturação de um subtipo de linfócito (linfócito-T) ocorre no timo.
O estroma também contém várias células-tronco de origem mesenquimal. Essas incluem linhagens celulares multipotentes que são capazes de se diferenciar em células cartilaginosas (condrócitos), ósseas (osteoblastos e osteoclastos), além de adipócitos, miócitos (músculo) e células endoteliais.
Notas clínicas
Aspirado de medula óssea e biópsia
A hematopoiese é importante não só para a manutenção do metabolismo através da produção de hemácias que transportam o oxigênio, mas também para a manutenção do sistema imune através da leucogênese. Estados fisiológicos e patológicos podem afetar o status da medula óssea, tornando-a hipercelular ou hipocelular. A celularidade da medula óssea se refere à quantidade de células hematopoiéticas em relação à quantidade de adipócitos.
Para acessar adequadamente a composição da medula óssea, os médicos realizam uma biópsia ou um aspirado de medula óssea. Ambos os processos permitem a aquisição da medula vermelha que pode ser descalcificada e processada para análise histológica. O processo é historicamente chamado de trepanação (confecção de buracos cirúrgicos no crânio para benefício terapêutico). O aspirado ou aspiração da medula óssea envolve a introdução de uma longa agulha óssea na medula, de maneira percutânea, usando uma técnica estéril. A biópsia permite a obtenção de uma amostra maior da medula e, devido à sua extensão, uma melhor avaliação da celularidade medular. A biópsia aumenta a probabilidade de detectar lesões focais, bem como avaliar o grau do dano causado pela lesão. Além disso, obter uma biópsia da medula óssea permite ao médico entender a arquitetura fora do espaço intratrabecular. Existem indicações tanto diagnósticas quanto terapêuticas para a aspiração e biópsia de medula óssea.
As indicações relativas para a aspiração ou biópsia da medula óssea estão listadas a seguir:
- É ideal para a investigação da depleção de qualquer linhagem celular (leucopenia, mielodisplasia, trombocitopenia ou anemia).
- A etiologia de um aumento inexplicado de qualquer linhagem celular também pode ser investigada.
- Pode-se estabelecer um raciocínio para explicar as alterações morfológicas (por exemplo: formação de reticulócitos, leucoeritroblastos ou eritrócitos em forma de lágrima)
- É útil no monitoramento da progressão da doença e na resposta à terapia.
- Os médicos podem ver se a medula óssea está ou não sendo acometida por metástases neoplásicas.
- Apesar de não ser a primeira opção neste cenário, pode ser incluída como parte de um painel de investigação para um paciente com febre de origem indeterminada, bem como para aqueles com aumento inexplicado do tecido linfoide secundário, como hepatomegalia e linfadenopatia.
Supressão da medula óssea
É possível que lesões extensas dentro da medula óssea causem uma redução na sua atividade. Entretanto, os fatores etiológicos da supressão da medula óssea podem ser iatrogênicos, como em resposta a agentes quimioterápicos usados no tratamento de uma neoplasia. É provável que essa supressão da medula óssea resulte em pancitopenia (redução em todas as linhagens celulares).
Essa redução em todas as linhagens celulares leva o paciente à anemia (redução na linha eritroide), infecções (redução na linhagem mieloide) e aumento da chance de sangramentos (trombocitopenia). Medicações comuns que podem levar à supressão da medula óssea são: metotrexate, azatioprina, anti-inflamatórios não esteroidais, ciclofosfamida e outras drogas citotóxicas.
Aplasia da medula óssea
Em casos mais graves, a medula óssea pode ser bastante afetada por processos patológicos nos quais ela se torna incapaz de produzir uma ou todas as linhagens celulares (pancitopenia). Essa síndrome é chamada de aplasia da medula óssea. Ela pode ser congênita (anemia de Fanconi ou disceratose congênita) ou adquirida (anemia aplásica ou medicamentos quimioterápicos). Existem pelo menos três pontos no desenvolvimento das linhagens celulares que são importantes no entendimento da aplasia da medula óssea:
- Uma lesão das células-tronco hematopoiéticas ou do ambiente que permite sua replicação pode eventualmente levar ao declínio na habilidade da medula óssea de produzir mais células. Se não há células progenitoras, então não haverá diferenciação celular.
- Deficiências nutricionais também podem afetar a produção celular da medula óssea. Por exemplo, deficiências graves de folato e B12 vão inicialmente resultar em anemia megaloblástica. Entretanto, quando essas vitaminas estiverem acabado, o processo de replicação do DNA - e por consequência, de reprodução celular - vai cessar..
- Finalmente, os dois primeiros passos da produção celular podem estar funcionando bem, mas pode haver um problema na diferenciação das linhagens celulares, como observado nas doenças mielodisplásicas.
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