Barreira hematoencefálica
O cérebro é o epicentro de uma eclética matriz de atividade fisiológica. Ele integra informações sobre o ambiente externo com sinais do ambiente interno para poder executar atividades específicas.
Com toda a atividade especial que ocorre a nível neuronal é essencial que o ambiente químico no qual essas células operam seja estritamente regulado. Esta é a função primária da barreira hematoencefálica.
Definição | Membrana permeável seletiva que regula a passagem de grandes e pequenas moléculas para o microambiente dos neurônios |
Estrutura |
Barreira hematoencefálica: nível capilar - células endoteliais, células epiteliais escamosas, membrana basal, pés perivasculares dos astrócitos fibrosos e astrócitos protoplasmáticos Barreira hematoneural: nervos periféricos e células endoteliais Barreira sangue-líquido cefalorraquidiano: células endoteliais fenestradas, membrana basal, pés perivasculares dos astrócitos e células epiteliais coróideas |
Órgãos circunventriculares |
Regiões do cérebro nas quais a barreira hematoencefálica está ausente Monitoramento das mudanças homeostáticas na circulação sistêmica Subdivididos em órgãos secretores e sensoriais |
Nota Clínica | Kernicterus e quebra na barreira hematoencefálica |
Este artigo vai descrever as estruturas gerais das barreiras hematoencefálica, hematoneural e hemato-cérebro-espinhal encontradas no sistema nervoso. Além disso, vamos enfatizar as áreas do cérebro que não possuem barreira hematoencefálica e a relevância clínica desta barreira.
- Definição
- Estrutura da barreira hematoencefálica
- Barreira hematoneural
- Barreira sangue-líquido cefalorraquidiano
- Órgãos circunventriculares
- Nota clínica
- Referências
Definição
A barreira hematoencefálica (BHE) é uma membrana permeável seletiva que regula a passagem de grandes e pequenas moléculas para o microambiente dos neurônios. Ela exerce sua função com a ajuda de múltiplos canais de transporte celular distribuídos ao longo da membrana. Eles incluem:
- transportadores de aminoácidos
- transportador de glicose 1 (GLUT1)
- transportadores de nucleosídeos & nucleotídeos
- transportadores de monocarboxilato (MTC1 E MTC2)
- transportadores iônicos (bomba de Na+/K+ -ATPase) que facilita o transporte de moléculas essenciais ao cérebro.
Além de facilitar a entrada de aminoácidos, os transportadores de aminoácidos podem inadvertidamente transportar metais pesados indesejáveis para o ambiente cerebral. Consequentemente, em concentrações suficientemente altas, eles vão gerar neurotoxicidade. Os transportadores GLUT1 e MTC carreiam glicose e lactato e cetonas, respectivamente.
Estrutura da barreira hematoencefálica
O cérebro possui uma grande rede de vasos arteriais e venosos levando e trazendo sangue para e do tecido cerebral. Entretanto, a maioria da ação ocorre ao nível capilar. Tanto o lado luminal quanto o abluminal (superfície externa do vaso) são revestidos por estruturas que contribuem para a integridade das células. Inicialmente, células epiteliais escamosas formam a parede endotelial dos capilares; a superfície luminal dessas células entram em contato com o sangue circulante e seus constituintes. A superfície abluminal está em contato com uma membrana basal circunferencialmente contínua.
As células endoteliais estão ancoradas umas às outras por zônulas de oclusão e junções de oclusão (tight junctions), bem como por zônulas de adesão. A primeira fornece suporte estrutural para a parede endotelial, enquanto a última conecta fisicamente células adjacentes. Sendo assim, o endotélio funciona como uma barreira impermeável entre o lúmen capilar e o tecido cerebral.
Estudos feitos em outros mamíferos indicaram que os pericitos participam da formação da barreira hematoencefálica. Eles envolvem as células endoteliais dos capilares e são capazes de contrair para regular o fluxo sanguíneo capilar. Consequentemente, a contratilidade também regula a quantidade de fluxo sanguíneo através dos capilares, melhorando assim a barreira hematoencefálica. Além disso, algumas teorias sugerem que os pericitos não só promovem a formação das junções de oclusão, mas também inibem a produção de substâncias que promovem a permeabilidade vascular.
Astrócitos são células bem ramificadas com pequenos corpos celulares encontradas na substância branca (astrócitos fibrosos) e na substância cinzenta (astrócitos protoplasmáticos). Os podócitos, tanto dos astrócitos fibrosos quanto os protoplasmáticos, não só envolvem as fibras nervosas e os somas neuronais (respectivamente), mas também envolvem a superfície abluminal dos capilares. Neste ponto, eles são chamados de pés perivasculares.
Barreira hematoneural
Uma construção arquitetônica similar existe no sistema nervoso periférico, que também limita a interação entre os nervos periféricos e o sangue circulante. Este sistema é informalmente chamado de barreira nervo-sanguínea.
Barreira sangue-líquido cefalorraquidiano
Existe um sistema de barreira semelhante que age como uma interface entre o sangue e o líquido cerebroespinhal. Ela é conhecida como barreira sangue-líquido cefalorraquidiano. As principais semelhanças entre a barreira sangue-líquido cefalorraquidiano e a barreira hematoencefálica são:
- células endoteliais encontradas nos leitos capilares
- membrana basal circunferencial ao redor da superfície abluminal dos capilares
- e pés perivasculares dos astrócitos, também na superfície abluminal dos capilares
A barreira sangue-líquido cefalorraquidiano, entretanto, também possui células endoteliais fenestradas que permitem a passagem de água, gases e substâncias lipídicas do sangue para o líquido cerebroespinhal. Além disso, existem células epiteliais coróideas que participam na produção do líquido cerebroespinhal.
O epitélio coróideo consiste em células cuboidais ciliadas equipadas com microvilos ao redor de tufos capilares. Apesar do epitélio coróideo ser contínuo com a camada ependimária do ventrículo (células colunares ciliadas simples), ele contém mais junções de oclusão e consequentemente, age como uma barreira efetiva entre o sangue e o líquido cerebroespinhal.
Aprender tudo sobre o sistema nervoso pode parecer assustador. Por isso preparamos uma apostila de exercícios sobre o sistema nervoso para você. Não deixe de conferir e descubra uma maneira fácil e divertida de entender este tema confuso!
Órgãos circunventriculares
Existem regiões do cérebro nas quais a barreira hematoencefálica está ausente. Essa adaptação permite que áreas do cérebro monitorem mudanças homeostáticas na circulação sistêmica. Assim, o cérebro é capaz de detectar essas mudanças e realizar processos fisiológicos protetores contra essas atividades. Existem sete áreas dessas, que são coletivamente chamadas de órgãos circunventriculares. Eles podem ainda ser subdivididos em órgãos secretores e sensoriais.
Órgãos secretores
Órgãos secretores, como o nome sugere, são estruturas que liberam seu produto diretamente na corrente sanguínea ou no fluido cerebroespinhal. Os produtos podem ser neurohormônios ou outras proteínas. Os órgãos circunventriculares secretores incluem a neuro-hipófise (glândula pituitária posterior), glândula pineal, órgão subcomissural e eminência mediana.
- Neuro-hipófise - também é conhecida como glândula pituitária posterior. É a região da hipófise que se origina do neuroectoderma e estoca hormônios hipotalâmicos (ocitocina e vasopressina). Os hormônios são liberados da glândula pituitária posterior por fibras nervosas dos núcleos hipotalâmicos paraventricular e supraóptico.
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- Glândula pineal - é um órgão em forma de pinha na região posterior do terceiro ventrículo. Fica superior e na linha média dos corpos quadrigêmeos (colículos superiores e inferiores). A glândula é encapsulada e lobulada (internamente). Suas células - pinealócitos - produzem e liberam ciclicamente melatonina, com o ritmo circadiano (que é regulado pelo núcleo supraquiasmático). A ausência da barreira hematoencefálica aqui permite que a melatonina seja secretada no rico suprimento sanguíneo que vem da artéria coróidea posterior (ramo da artéria comunicante posterior) e veias cerebrais interna (tributárias da grande veia de Galeno).
- Órgão subcomissural - está situado perto do limite caudal do recesso pineal (no terceiro ventrículo) na abertura do aqueduto cerebral de Sylvius. Aqui, ele está caudalmente e ventralmente relacionado à comissura posterior. As suas células ependimárias, ao contrário daquelas que cobrem outros órgãos circunventriculares, são células colunares altas ciliadas. Os capilares são abundantes ou significativamente fenestrados como os dos outros órgãos circunventriculares. O órgão subcomissural libera SCO-espondina, que é uma glicoproteína que se agrega dentro do terceiro ventrículo e forma fibras de Reissner. Essas fibras foram relacionadas com a manutenção da patência do aqueduto de Sylvius e sua ausência resulta em hidrocefalia congênita.
- Eminência Mediana - possui uma intricada comunicação com o sistema portal hipofisário que permite uma comunicação entre a circulação sistêmica e o fluido cerebroespinhal, pelo grande número de capilares fenestrados que contém. A eminência mediana, que está localizada no assoalho do hipotálamo, está anterior ao túber cinéreo (extensão ventral do terceiro ventrículo). A eminência mediana também contém células especializadas conhecidas como tanicitos, que agem modificando a permeabilidade da membrana para permitir que macromoléculas entrem na circulação periférica.
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Órgãos sensoriais
Os órgãos sensoriais são responsáveis por monitorar a circulação periférica e responder apropriadamente para reverter alterações ou eliminar toxinas. Esses órgãos incluem o órgão subfornical, órgão vascular da lâmina terminal e a área postrema.
- Órgão subfornical - é uma pequena região no forame interventricular de Monro que é formada por células gliais, neurônios e um tufo denso de capilares fenestrados. Como outros órgãos circunventriculares, o órgão subfornical é revestido por células ependimárias planas. O órgão subfornical tem várias funções homeostáticas, como a regulação cardiovascular, a osmorregulação, a regulação da energia, entre outras. Esse conceito é sustentado por suas projeções eferentes para o hipotálamo lateral, área pré-óptica mediana e órgão vascular.
- Órgão vascular - também conhecido como órgão vascular da lâmina terminal (OVLT) ou simplesmente, órgão vascular, ele é cranial ao quiasma óptico e caudal à comissura anterior. O leito vascular deste órgão é muito fenestrado e o epêndima contém células planas com cílios distribuídos de maneira esparsa. A principal função do órgão vascular é regular o balanço hídrico. Para isso, ele recebe fibras aferentes do órgão subfornical, de vários núcleos hipotalâmicos e do locus cerúleus. Ele então projeta para os núcleos supraóptico e pré-óptico mediano.
- Área postrema - é provavelmente o mais conhecido órgão circunventricular. É uma estrutura pareada que está localizada na extensão caudal do assoalho do quarto ventrículo. Essa estrutura bilateral é um importante componente do que é comumente chamado de centro do vômito. A ausência de uma barreira hematoencefálica nesta localização permite que a área postrema identifique irritantes químicos e estimule a resposta do vômito.
Nota clínica
Kernicterus
Durante os primeiros dias de vida, o neonato está sob risco de uma condição tratável conhecida como icterícia fisiológica. No útero, há uma alta concentração de hemoglobina fetal (HbF), que é completamente trocada pela hemoglobina adulta (HbA) por volta dos seis meses de idade. Entretanto, este subtipo de hemoglobina tem uma taxa de turnover relativamente alta.
Um problema surge devido a quebra da hemoglobina e resulta na produção de bilirrubina. O heme é clivado pela heme-oxigenase em biliverdina solúvel, que é então reduzida a bilirrubina insolúvel pela biliverdina redutase. Devido a sua natureza lipídica, a bilirrubina insolúvel consegue atravessar camadas lipídicas, incluindo a barreira hematoencefálica. Felizmente, a proteína carreadora albumina se liga à bilirrubina para facilitar seu transporte no sistema vascular para o fígado, onde ela será processada.
Entretanto, em casos em que os níveis de bilirrubina excedem os de albumina (ou seja, em casos de saturação das proteínas carreadoras), o excesso de bilirrubina vai até o SNC e atravessa a barreira hematoencefálica. Se não tratada, esta condição pode resultar em uma condição patológica conhecida como kernicterus, que é uma neuropatia induzida por bilirrubina.
É comumente aceito que neonatos estão sob maior risco de toxicidade cerebral secundária a exposição a neurotoxinas devido ao pouco desenvolvimento de sua barreira hematoencefálica. Entretanto, novos estudos sugerem que a barreira hematoencefálica é adequadamente formada durante a vida fetal precoce. A explicação alternativa para a maior susceptibilidade de neonatos à injúria cerebral por substâncias como a bilirrubina é que existem mais proteínas transportadoras presentes na barreira sangue-líquido cerebrorraquidiano em neonatos do que o que é observado nas barreiras sangue-líquido cerebrorraquidiano em adultos.
Sendo assim, essas substâncias podem ganhar acesso ao fluido cerebroespinhal e, de lá, entrar no cérebro. Além disso, a bilirrubina não conjugada é capaz de romper junções de oclusão e ganhar acesso ao cérebro.
Quebra na barreira hematoencefálica
Insultos ao cérebro, seja por encefalopatia hipertensiva, status epilepticus ou isquemia, podem danificar a barreira hematoencefálica por duas ou três semanas. Essa quebra na barreira hematoencefálica vai permitir que moléculas que tipicamente não entravam em contato com o tecido cerebral entrem no microambiente do sistema nervoso central. Uma teoria para o exato mecanismo de como isso ocorre é que o insulto resulta em dano endotelial com consequente rompimento das junções de oclusão.
Lesões neoplásicas também levam ao dano na barreira hematoencefálica. Uma das marcas de tumores é a rápida angiogênese. Os novos vasos formados, entretanto, são destituídos de barreira hematoencefálica. Sendo assim, o sítio do tumor também serve como um ponto de entrada de agentes neurotóxicos no tecido nervoso.
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