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Ciclo cardíaco

Coração in situ observado a partir de uma vista anterior.

O ciclo cardíaco é definido como uma sequência alternada de contração e relaxamento dos átrios e ventrículos para bombear o sangue por todo o corpo. O ciclo começa no início de um batimento cardíaco e termina no início de outro. Esse processo se inicia na quarta semana de gestação, quando o coração começa a se contrair.

Cada ciclo cardíaco tem uma fase diastólica (diástole), na qual as câmaras do coração estão em estado de relaxamento e se enchem de sangue que recebem das veias, e uma fase sistólica (sístole), na qual as câmaras do coração se contraem, bombeando o sangue para a periferia através das artérias. Tanto os átrios quanto os ventrículos passam por estados alternados de sístole e diástole. Isto é, quando os átrios estão em diástole, os ventrículos estão em sístole e vice-versa.

Informações importantes sobre o ciclo cardíaco
Diástole atrial Enchimento passivo do átrio
Abertura das valvas atrioventriculares
Sístole atrial Potencial de ação do nó sinoatrial
Contração sincrônica atrial
Enchimento ativo dos ventrículos
Diástole ventricular Primeiro terço da fase diastólica (diástole ventricular precoce): enchimento ventricular rápido
Terço médio da fase diastólica (diástole ventricular tardia): enchimento passivo ou diástase
Último terço da fase diastólica (diástole atrial): enchimento ventricular devido à contração atrial (20%)
Sístole ventricular Contração isovolumétrica - as valvas atrioventriculares e semilunares estão fechadas
Abertura das valvas semilunares
Esvaziamento do ventrículo
Volume sistólico final

Este artigo irá abordar as fases do ciclo cardíaco e os princípios fisiológicos subjacentes que regem esse processo. Começaremos por uma breve revisão do sistema de condução do coração e terminaremos abordando algumas alterações do ciclo cardíaco.

Conteúdo
  1. Terminologia
  2. Sistema condutor do coração
  3. Fases do ciclo cardíaco
    1. Diástole atrial
    2. Sístole atrial
    3. Diástole ventricular
    4. Sístole ventricular
  4. Diagrama de Wiggers
    1. Pressão aórtica
    2. Pressão atrial
    3. Pressão e volume ventricular
    4. Eletrocardiograma (ECG)
    5. Fonocardiograma (sons cardíacos)
  5. Mecanismo de Frank-Sterling
  6. Condições que afetam o ciclo cardíaco
    1. Desequilíbrios eletrolíticos
    2. Insuficiência cardíaca
  7. Referências
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Terminologia

Existem algumas variações entre a nômina do coração em Português Brasileiro e Português Europeu que podem causar confusão. Para esclarecimento dos leitores, esclarecemos que:

  • Átrio, em Português Brasileiro, traduz-se para Aurícula em Português Europeu.
  • Aurícula, em Português Brasileiro, traduz-se para Apêndice Auricular ou Auriculeta em Português Europeu.
  • Valva, em Português Brasileiro, corresponde a Válvula em Português Europeu. Em Português Europeu, Valva é sinônimo de Cúspide.

Para tornar o texto mais claro, ao longo do artigo, utilizaremos exclusivamente a terminologia em Português Brasileiro relativamente a estes termos. Entretanto, em nossos testes, ambas as terminologias são consideradas corretas.

Sistema condutor do coração

Os cardiomiócitos são células únicas encontradas no coração, e que são capazes de gerar e transmitir atividade elétrica de uma célula para outra, de forma independente. Essas células se comunicam através de junções comunicantes (pontos de permeabilidade) nos discos intercalares (onde as membranas celulares se encontram). A comunicação entre os cardiomiócitos é tão eficiente que as células formam um sincício que permite os íons fluírem livre e rapidamente entre as células. Isso está na base das contrações quase simultâneas do músculo cardíaco.

Existe uma área de células subespecializadas, conhecida como nó sinoatrial. Essa área se localiza próxima à abertura da veia cava superior, na parede lateral superior do átrio direito. O nó sinoatrial é capaz de se contrair mais rapidamente do que o restante do tecido cardíaco, e de transmitir um potencial de ação para os átrios direito e esquerdo através de vias condutoras preferenciais. Sendo assim, ele define o ritmo da contração cardíaca e, por isso, é conhecido como o marca-passo do coração.

Existe uma área secundária de tecido condutor concentrado, conhecida como nó atrioventricular, que se localiza medial e posteriormente à valva tricúspide. Assim como o nó sinoatrial, o nó atrioventricular também possui propriedades autônomas e é capaz de gerar um potencial de ação. No entanto, essas células são mais lentas do que as do nó sinoatrial e, como resultado, atuam em resposta à atividade do nó sinoatrial. Existem vias internodais preferenciais para uma transmissão mais eficiente do impulso para o nó atrioventricular.

O nó atrioventricular está ligado a uma rede de fibras que fazem seu trajeto pelo septo interventricular e depois pelas paredes dos ventrículos. O segmento inicial dessa via é chamado de feixe atrioventricular ou feixe de His. O feixe de His bifurca-se em um ramo esquerdo e um direito. O ramo esquerdo também dá origem a ramos posteriores esquerdos, que transmitem impulsos para a face posterior do ventrículo esquerdo. Ambos os ramos esquerdo e direito emitem numerosos ramos, conhecidos como fibras de Purkinje, que suprem o miocárdio dos ventrículos.

Para mais informações sobre o coração e seu sistema de condução, verifique a unidade de estudos abaixo:

Fases do ciclo cardíaco

Os eventos do ciclo cardíaco iniciam-se com um potencial de ação espontâneo no nó sinoatrial, como descrito anteriormente. Esse estímulo causa uma série de eventos nos átrios e nos ventrículos. Todos esses eventos são “organizados” em duas fases:

  • diástole (quando o coração se enche com sangue)
  • sístole (quando o coração bombeia o sangue)

Durante essas duas fases, ocorrem diversos eventos, que serão descritos nos parágrafos seguintes.

Diástole atrial

A diástole atrial é o primeiro evento do ciclo cardíaco. Ocorre alguns milissegundos antes de o sinal elétrico do nó sinoatrial alcançar os átrios. Os átrios funcionam como meios condutores que facilitam a passagem do sangue para o ventrículo ipsilateral, e também auxiliam a bombear o sangue residual para os ventrículos. Durante a diástole atrial, o sangue entra no átrio direito pelas veias cavas inferior e superior e no átrio esquerdo pelas veias pulmonares. Na parte inicial dessa fase, as valvas atrioventriculares estão fechadas e o sangue se acumula nos átrios.

Chega um ponto em que a pressão no átrio é superior à pressão no ventrículo ipsilateral. Essa diferença de pressão resulta na abertura das valvas atrioventriculares, permitindo que o sangue flua para o ventrículo de forma passiva.

Sístole atrial

O nó sinoatrial inicia um potencial de ação de maneira autônoma, que se propaga por todo o miocárdio atrial. A despolarização elétrica resulta na contração simultânea dos átrios, causando um aumento adicional nas pressões atriais e forçando assim que o sangue residual dos átrios passe ativamente para os ventrículos.

Diástole ventricular

Durante as fases iniciais da diástole ventricular, as valvas atrioventriculares e semilunares estão fechadas. Durante essa fase, a quantidade de sangue nos ventrículos permanece constante, mas há uma queda abrupta na pressão intraventricular. Esse evento é conhecido como relaxamento isovolumétrico.

Em algum momento, a pressão ventricular torna-se inferior à pressão atrial, o que leva à abertura das valvas atrioventriculares. Isso resulta no enchimento rápido dos ventrículos com sangue. No final desse processo, a maior parte do sangue passou dos átrios para os ventrículos. Além disso, um pequeno volume de sangue flui diretamente para os ventrículos a partir das veias cavas e, no final da diástole ventricular, o sangue restante nos átrios é bombeado para o ventrículo (pela contração atrial). Ao volume total de sangue presente no ventrículo no final da diástole dá-se o nome de volume diastólico final ou pré-carga.

Sístole ventricular

A sístole ventricular refere-se ao período de contração dos ventrículos. O impulso elétrico chega ao nó atrioventricular logo após a despolarização atrial. Há um pequeno atraso na transmissão no nó atrioventricular, o que permite que os átrios completem sua contração antes do impulso ser transmitido para os ventrículos (e, consequentemente, antes que ocorra a despolarização ventricular). O potencial de ação passa pelo nó atrioventricular, desce pelo feixe de His e, posteriormente, para os seus ramos esquerdo e direito (fibras condutoras que percorrem o septo interventricular e se ramificam para suprir os ventrículos). Essas fibras conduzem os impulsos elétricos através de seus respectivos territórios ventriculares, levando à contração ventricular.

À medida que o ventrículo começa a se contrair, o aumento da pressão ventricular excede a pressão atrial, promovendo o fechamento das valvas atrioventriculares. No entanto, nessa fase, a pressão ventricular ainda não é suficiente para abrir as valvas semilunares. Por isso, os ventrículos estão em estado de contração isovolumétrica – uma vez que, durante esse curto período de tempo, não há alteração no volume total (volume diastólico final) no ventrículo.

À medida que a pressão ventricular aumenta e se torna superior à pressão nos tratos de saída (artérias pulmonares e aorta), as válvulas semilunares se abrem, permitindo que a maior parte do sangue saia do ventrículo. Essa é a fase de ejeção do ciclo cardíaco. No final da sístole, fica uma pequena quantidade de sangue no ventrículo, que é conhecida como volume sistólico final ou pós-carga (entre 40 – 50 mL de sangue). A razão entre o volume de ejeção e o volume diastólico final é chamada de fração de ejeção e geralmente é cerca de 60%.

Os ventrículos voltam então a um estado de relaxamento isovolumétrico, e os átrios continuam se enchendo com sangue. O processo se inicia novamente e continua a repetir-se durante toda a vida.

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Diagrama de Wiggers

Graças ao fisiologista estadunidense Dr. Carl J Wiggers, muitos estudantes da área da saúde nos últimos 100 anos têm uma ferramenta única para entender o ciclo cardíaco. O diagrama de Wiggers mostra a relação entre a pressão e o volume das câmaras cardíacas ao longo do tempo, juntamente com a atividade elétrica do coração. O diagrama usa as câmaras esquerdas do coração para demonstrar:

  • Pressão aórtica
  • Pressão atrial
  • Pressão ventricular
  • Volume ventricular
  • Eletrocardiograma (ECG)
  • Fonocardiograma (sons cardíacos)
Diagrama de Wiggers

Pressão aórtica

O gráfico da pressão aórtica mostra a variação na pressão dentro da aorta ao longo do ciclo cardíaco. No gráfico, pode ver-se uma inclinação moderada, seguida de uma incisura e, depois, uma inclinação menor. O gráfico termina com um declínio gradual antes de recomeçar.

Curva de pressão aórtica do diagrama de Wiggers

O aumento da pressão ventricular durante a sístole promove a abertura da valva aórtica. A pressão gerada no ventrículo é então transmitida para a aorta. As paredes da aorta são capazes de dilatar devido à sua alta elasticidade, o que permite acomodar o aumento súbito da pressão intra-aórtica. Essas mudanças de pressão são representadas, no diagrama de pressão aórtica, pela primeira — e maior — onda.

No final da sístole, o ventrículo esquerdo para de se contrair, mas a aorta ainda mantém uma pressão mais elevada. Essa variação súbita no gradiente de pressão leva a um pequeno refluxo de sangue para o ventrículo esquerdo, pouco antes do fechamento das valvas aórticas. No diagrama da pressão aórtica, isso é representado por uma diminuição acentuada (ou “incisura”) e, em seguida, um aumento acentuado. A pressão aórtica diminui então gradualmente ao longo da diástole ventricular até atingir sua pressão de repouso.

O gráfico da pressão entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar é semelhante, sendo a principal diferença que a pressão é significativamente menor.

Pressão atrial

A onda de pressão atrial mostra a variação na pressão atrial durante a sístole e a diástole. Existem três mudanças significativas de pressão, representadas pelas letras ‘a’, ‘v’ e ‘c’. A mudança de pressão que é gerada à medida que os átrios se enchem de sangue é representada pela onda 'v', no final da onda de pressão atrial. Há uma diminuição ligeira na pressão atrial que corresponde à abertura da valva atrioventricular. Isto é seguido pela onda 'a', que representa a contração dos átrios. A onda ‘a’ é seguida por uma inclinação descendente à medida que as válvulas atrioventriculares se fecham. Isto é seguido por outro aumento, rotulado como onda 'c', que representa o abaulamento das valvas atrioventriculares em direção aos átrios durante a contração ventricular.

Pressão atrial no diagrama de Wiggers

Pressão e volume ventricular

As alterações de pressão e volume que ocorrem no ventrículo são representadas por duas curvas separadas. No entanto, a sua interpretação é mais simples se forem consideradas em conjunto. A curva de pressão ventricular tem duas ondas – uma pequena onda inicial seguida de um retorno à pressão basal e, depois, uma onda significativamente maior. A curva de volume ventricular, entretanto, apresenta uma mistura de subidas e descidas ao longo de seu ciclo.

Pressão e volume ventricular no diagrama de Wiggers

Considere o início da curva de volume ventricular no início da diástole. Nessa fase, há um volume residual de cerca de 50 mL de sangue deixado no ventrículo depois da sístole anterior, e a curva de pressão está em declínio acentuado durante o relaxamento isovolumétrico. Uma vez que a pressão ventricular é menor que a pressão atrial, a valva atrioventricular se abre. Então, ocorre um rápido aumento do volume ventricular, seguido de um aumento lento e gradual (de acordo com a fase de enchimento passivo). No entanto, durante esse tempo, a pressão ventricular permanece inalterada, uma vez que o ventrículo é capaz de acomodar o aumento do volume.

O primeiro aumento na pressão ventricular ocorre quando os átrios se contraem para bombear o sangue residual para o ventrículo. Esse aumento não dura muito tempo e a pressão ventricular logo retorna à linha basal. À medida que mais sangue é bombeado para o ventrículo, este alcança o volume diastólico final ou a pré-carga. No início da sístole, as valvas atrioventriculares estão fechadas e o ventrículo está em contração isovolumétrica. Portanto, há um aumento acentuado na pressão, mas o volume permanece inalterado. Quando a pressão ventricular supera a pressão aórtica, as valvas aórticas se abrem e há uma queda repentina no volume ventricular. À medida que o volume diminui, a pressão ventricular começa a cair também. Eventualmente, a contração ventricular para e o ventrículo entra novamente na fase diastólica, com o início do relaxamento isovolumétrico.

Eletrocardiograma (ECG)

O eletrocardiograma é uma representação gráfica da atividade elétrica no coração. É constituído por uma série de ondas, que representam a despolarização, e depressões, que representam a repolarização.

Traçado do eletrocardiograma

Há um atraso entre a despolarização dos cardiomiócitos e a contração efetiva do músculo cardíaco. Por isso, as ondas do ECG precedem as ondas das curvas de pressão (que são causadas pela contração efetiva do músculo cardíaco). A onda 'P', que representa a despolarização atrial, precede a onda 'a' do gráfico de pressão atrial. O complexo QRS representa a despolarização ventricular, que promove a contração ventricular. A onda grande do gráfico de pressão ventricular começa logo após o complexo ‘QRS’. A onda ‘T’ do ECG representa a repolarização ventricular e o seu relaxamento subsequente. Portanto, essa onda começa no final da sístole.

Fonocardiograma (sons cardíacos)

O fonocardiograma representa os sons ao longo do ciclo cardíaco. Esses sons podem ser ouvidos durante a ausculta cardíaca, e traduzem o fechamento das valvas cardíacas. Eles são comumente chamados de sons “tum” e “tá”.

O primeiro som cardíaco, também conhecido como S1, corresponde ao som “tum” e é causado pelo fechamento das valvas atrioventriculares. Isso ocorre no início da sístole ventricular. Graficamente, pode ser representado no ponto após a primeira onda de pressão ventricular, coincidindo com a onda 'a' de pressão atrial e a onda 'R' do ECG.

O segundo som cardíaco, também conhecido como S2, corresponde ao som “tá”, e é causado pelo fechamento das valvas semilunares. Isso ocorre no início da diástole, durante a fase de relaxamento isovolumétrico, coincidindo com a depressão na curva de pressão aórtica e a extremidade terminal da onda ‘T’ do ECG.

Por vezes, é normal ouvir um terceiro som cardíaco, também conhecido como S3. Esse som é geralmente causado por uma entrada súbita de sangue nos ventrículos a partir dos átrios. Por isso, é um som que ocorre a meio da diástole, depois do segundo som cardíaco.

Mecanismo de Frank-Sterling

O coração tem uma capacidade notável de acomodar um aumento no volume de sangue que entra no coração. De fato, o aumento do volume diastólico final também resulta no aumento do débito cardíaco, isto é, um aumento do volume de sangue ejetado pelos ventrículos. Esse mecanismo foi nomeado de mecanismo de Frank-Starling, tendo o nome dos dois fisiologistas que o descreveram. O princípio subjacente é que o coração bombeia todo o sangue que chega ao coração, dentro de limites fisiológicos.

Isso é possível porque, quando há um aumento da pré-carga ventricular, ocorre distensão do ventrículo e, consequentemente, dos cardiomiócitos. Essa distensão otimiza o contato dos componentes de actina e miosina das fibras musculares. Consequentemente, as fibras musculares vão poder se contrair com uma força maior para bombear o sangue adicional. Note, no entanto, que esse princípio só se mantém até um ponto ótimo. Qualquer distensão para além desse ponto leva a uma dissociação do complexo actina-miosina, dificultando a ocorrência de uma contração.

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Kim Bengochea Kim Bengochea, Universidade de Regis, Denver
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