Átrios cardíacos
A maioria das espécies animais tem um sistema circulatório bem desenvolvido que permite a movimentação de sangue e nutrientes por todo o corpo. O coração é um componente fundamental desse sistema, sendo formado por quatro câmaras cardíacas: dois átrios e dois ventrículos.
Os átrios cardíacos possuem um papel importante no ciclo cardíaco, já que, ao se contraírem, ajudam a encher os ventrículos antes da contração ventricular. O átrio direito recebe sangue das veias cavas, enviando-o para o ventrículo direito. O átrio esquerdo, por sua vez, recebe sangue dos pulmões e o envia para o ventrículo esquerdo, para que daí seja bombeado por todo o corpo.
Este artigo aborda a embriologia, a anatomia e a vascularização dos átrios do coração. Além disso, sua função será discutida, assim como algumas condições clínicas que podem afetá-los.
Embriologia | Formados entre a 3.ª e a 8.ª semanas de gestação |
Átrio esquerdo | Recebe sangue oxigenado dos pulmões através das 4 veias pulmonares Características: Parede mais espessa; aurícula esquerda (contém os músculos pectíneos) |
Átrio direito | Recebe sangue desoxigenado da circulação sistêmica através das veias cavas superior e inferior Características: Aurícula direita; localização dos nós sinoatrial e atrioventricular; duas superfícies internas (seio das cavas e átrio propriamente dito) |
Função | Câmaras de recepção de sangue; bombeiam o sangue para os ventrículos. |
Notas clínicas | Defeitos do septo interatrial, distúrbios do nó sinoatrial, fibrilação atrial, flutter atrial e dilatação atrial. |
- Terminologia
- Anatomia geral do coração
- Anatomia dos átrios
- Função dos átrios
- Embriologia dos átrios
- Notas clínicas: Principais doenças dos átrios
- Referências
Terminologia
Antes de tudo, é importante fazer uma consideração sobre os termos incluídos no texto. Existem algumas variações na terminologia referente ao coração em Português do Brasil e Português Europeu. Essa variação de terminologia pode ser bastante confusa, portanto será explicitada abaixo:
- Em Português do Brasil o termo átrio é equivalente ao termo aurícula, utilizado em Português Europeu.
- O termo aurícula em Português do Brasil faz referência a outra estrutura, que em Português Europeu é chamada de apêndice auricular ou auriculeta. Em Português do Brasil também é utilizado o termo apêndice atrial.
- O termo nó sinoatrial, utilizado em Português do Brasil, corresponde ao termo nó sinoauricular, em Português Europeu, de igual forma, o nó atrioventricular, utilizado em Português do Brasil, corresponde ao termo nó auriculoventricular, em Português Europeu.
- O termo valva, utilizado em Português do Brasil, corresponde ao termo válvula, em Português Europeu.
- Essas variações de termos também se refletem nos nomes das patologias dos átrios, Português brasileiro temos a fibrilação e o flutter atriais, enquanto no Português Europeu, usamos os termos fibrilação e flutter auriculares.
Para tornar o texto desse artigo mais claro, a partir desse ponto utilizaremos exclusivamente a terminologia em Português do Brasil.
Anatomia geral do coração
O coração é o principal órgão do sistema circulatório, já que ele bombeia o sangue pelos vasos sanguíneos em direção aos tecidos do corpo. Possui o formato de uma pirâmide tombada, com um ápice, uma base, e quatro faces. O ápice do coração está voltado para frente, para baixo e para a esquerda, enquanto a sua base (oposta ao ápice) se direciona posteriormente em direção aos corpos das vértebras T6-T9.
As 4 faces do coração são:
- Face esternocostal (anterior): direcionada anteriormente, relacionando-se à caixa torácica quando o coração encontra-se em posição anatômica. Formada principalmente pelo ventrículo direito, com alguma parte do átrio direito.
- Face diafragmática (inferior): superfície que repousa sobre o diafragma quando o coração está em posição anatômica. Composta principalmente pelo ventrículo esquerdo e uma pequena porção do ventrículo direito.
- Face pulmonar esquerda: voltada para o pulmão esquerdo, forma a impressão cardíaca do pulmão esquerdo. Formada principalmente pelo ventrículo esquerdo.
- Face pulmonar direita: voltada para o pulmão direito, formada pelo átrio direito.
Tecnicamente, o coração é formado por duas bombas: uma constituída pelas câmaras direitas (átrio direito e ventrículo direito) e outra constituída pelas câmaras esquerdas (átrio esquerdo e ventrículo esquerdo). Esses dois sistemas atuam, em conjunto, para bombear o sangue por todo o corpo. Cada lado do coração contém uma câmara superior, chamada de átrio, que recebe o sangue que chega ao coração; e uma câmara inferior, chamada de ventrículo, que é responsável por enviar o sangue para fora do coração.
A parede cardíaca é composta por três camadas principais de tecido. A camada mais interna é chamada de endocárdio, enquanto a camada mais externa é chamada de epicárdio. Entre essas duas camadas podemos encontrar uma camada espessa de tecido muscular especializado conhecida como miocárdio. A espessura do miocárdio varia de acordo com a região do coração. De forma geral, na ausência de uma patologia cardíaca, os ventrículos são sempre mais espessos que os átrios. Além disso, as câmaras cardíacas esquerdas são mais espessas que as direitas, já que é preciso mais força para bombear o sangue para todo o corpo do que para os pulmões. Em outras palavras, as câmaras cardíacas esquerdas trabalham contra uma resistência maior em relação à baixa resistência pulmonar enfrentada pelas câmaras direitas.
Ainda que todo o sangue do organismo passe pelo coração, tanto o oxigenado e rico em nutrientes, como o desoxigenado e pobre em nutrientes, a espessura das paredes cardíacas diminui a eficácia do transporte de nutrientes para o próprio tecido cardíaco. Por essa razão, o coração possui a sua própria rede de vasos formada pelas artérias e veias coronárias. As artérias coronárias são um par de vasos que se originam na base da aorta ascendente. Cada uma das artérias coronárias dá origem a vários ramos que irrigam todas as camadas do coração. Por sua vez, várias tributárias venosas drenam o sangue desoxigenado das camadas do coração e seguem em direção ao seio coronário, localizado na superfície posterior do coração, entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo. O seio coronário, por sua vez, desemboca no átrio direito, retornando o sangue venoso ao coração. Algumas veias cardíacas também drenam diretamente para o ventrículo direito e, menos frequentemente, para o coração esquerdo.
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Anatomia dos átrios
No mundo da arquitetura, a palavra "átrio" significa "espaço coberto que dá acesso ao interior de um edifício". Da mesma forma, os átrios cardíacos são as câmaras que recebem o sangue que chega ao coração, seja da circulação sistêmica ou da pulmonar. O átrio direito recebe o sangue desoxigenado da circulação sistêmica através das veias cavas superior e inferior. Por outro lado, o sangue oxigenado que sai dos pulmões chega ao átrio esquerdo pelas veias pulmonares.
O átrio esquerdo compõe parte da base do coração, enquanto o átrio direito forma a parte direita de sua face esternocostal. Assim, na posição anatômica, o átrio esquerdo está posicionado atrás do átrio direito. Na superfície externa do coração, marcando a divisão dos átrios cardíacos, encontra-se o sulco interatrial, que corresponde ao septo interatrial localizado internamente. Esse sulco segue em direção à superfície posterior do coração, onde se encontra com os sulcos atrioventricular e interventricular posterior em uma região conhecida como cruz do coração.
Os átrios direito e esquerdo são separados, internamente, por uma parede fibromuscular conhecida como septo interatrial. Os ventrículos, por sua vez, são separados por uma estrutura similar conhecida como septo interventricular. Adicionalmente, cada átrio é separado do ventrículo do seu lado pelo septo atrioventricular. Ao contrário dos septos interventricular e interatrial, que são íntegros em condições fisiológicas, o septo atrioventricular é composto por valvas (valvas atrioventriculares direita e esquerda), que permitem que o sangue passe das câmaras superiores para as câmaras inferiores em um fluxo unidirecional. Isso significa que as valvas atrioventriculares, em condições normais, impedem o refluxo do sangue dos ventrículos de volta para os átrios durante a contração ventricular.
Átrio esquerdo
Na posição anatômica, o átrio esquerdo localiza-se ligeiramente acima e atrás do átrio direito. Apesar do seu menor tamanho e de, consequentemente, não comportar tanto sangue como o átrio direito, ele tem uma parede miocárdica mais espessa. Isso acontece porque a pressão no interior do ventrículo esquerdo é significativamente maior do que a pressão no ventrículo direito. Logo, o átrio esquerdo precisa fazer uma força maior para ejetar o sangue.
A parte posterior da parede do átrio esquerdo é lisa e recebe as quatro veias pulmonares (duas superiores e duas inferiores), que trazem o sangue oxigenado dos pulmões. Em algumas situações, as veias pulmonares esquerdas podem se unir, desembocando no átrio como uma única veia. Já a sua porção anterior (superfície auricular) é trabeculada e contínua com a aurícula esquerda, contendo os músculos pectíneos.
A maior parte da superfície anterior do átrio esquerdo está oculta pelas raízes dos grandes vasos. Além disso, parte do seio transverso do pericárdio (espaço entre a veia cava superior e os troncos dos grandes vasos) também passa à frente do átrio esquerdo. A aurícula esquerda, mencionada anteriormente, contém os músculos pectíneos e é menor do que a aurícula direita, se curvando distalmente para sobrepor o tronco da artéria pulmonar.
Estruturas adjacentes ao átrio esquerdo
Na posição anatômica, o átrio esquerdo localiza-se entre a 5.ª e a 8.ª vértebras torácicas se o indivíduo estiver na posição supina, ou entre a 6.ª e a 9.ª vértebras torácicas se estiver em ortostatismo. Posteriormente ao átrio esquerdo encontra-se a aorta descendente, o esôfago e as veias pulmonares.
Experimente o nosso teste para pôr à prova o seu conhecimento sobre o átrio e o ventrículo esquerdos:
Átrio direito
As paredes externas do átrio direito formam a margem cardíaca direita, uma pequena parte da base do coração, além da face pulmonar direita e de parte da face esternocostal. A porção posterior superior do átrio recebe a abertura da veia cava superior, enquanto a sua parte posterior inferior recebe a veia cava inferior. Uma bolsa muscular de formato triangular, conhecida como aurícula direita (ou apêndice atrial direito) estende-se a partir da região anterior do átrio, anteriormente e para a esquerda, cobrindo parcialmente a base da aorta ascendente.
A superfície externa do átrio direito apresenta uma ligeira depressão conhecida como sulco terminal. Esse sulco delimita, externamente, dois espaços contínuos na região interna do átrio: o seio das cavas, de paredes lisas (onde se abrem as duas veias cavas); e o átrio propriamente dito, cujas paredes são formadas pelos músculos pectíneos. O sulco terminal corresponde a um marco de superfície da crista terminal, localizada internamente, de onde se originam os músculos pectíneos.
Estruturas adjacentes ao átrio direito
A face lateral do átrio direito é adjacente à superfície mediastinal do pulmão direito. Contudo, o hilo do pulmão direito é ligeiramente posterior ao átrio. Entre essas duas estruturas encontram-se o pericárdio, os vasos pericardicofrênicos, o nervo frênico direito e a pleura. Posterolateralmente, para a direita do átrio, encontram-se as veias pulmonares direitas.
O nó sinoatrial, que é responsável por regular a automaticidade do miocárdio, está localizado na parede posterior do átrio direito. Mais especificamente, ele é inferior e lateral à abertura da veia cava superior, na parte superior da crista terminal. O marcapasso cardíaco secundário - o nó atrioventricular - localiza-se na região inferior do átrio direito, no triângulo de Koch (ou trígono do nó sinoatrial). Esse trígono é delimitado pelo seio coronário, pela cúspide septal da valva atrioventricular direita, e pelo tendão de Todaro (tendão da válvula da veia cava inferior).
Características internas do átrio direito
A superfície interna do átrio direito pode ser dividida, de acordo com a sua origem embriológica, no seio das cavas e no átrio propriamente dito. O seio das cavas está localizado posteriormente à crista terminal e possui paredes lisas. Já o átrio propriamente dito, anterior à crista terminal, possui paredes trabeculadas formadas pelos músculos pectíneos e contém a aurícula direita. Enquanto o átrio propriamente dito deriva do átrio primitivo embrionário, o seio das cavas corresponde ao remanescente do seio venoso. Esse último funde-se com o átrio direito, levando à fusão do óstio da veia cava com a parede posterior do átrio.
Várias veias menores drenam diretamente para o átrio direito, mas os principais vasos aferentes dessa câmara são as veias cavas e o seio coronário. Ocasionalmente, as veias marginal direita e cardíaca anterior (veia anterior do ventrículo direito) também podem se abrir diretamente no átrio direito. De todos esses vasos, a veia cava inferior e o seio coronário são os únicos que têm válvulas para evitar o refluxo venoso. A valva de Tebésio é a válvula do seio coronário. A valva de Eustáquio é a válvula da veia cava inferior, uma prega de tecido localizada anteriormente à abertura da veia.
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Função dos átrios
A função principal dos átrios é receber o sangue proveniente das circulações sistêmica e pulmonar e conduzir esse sangue até os ventrículos. Para que realizem essa função, os átrios desempenham três ações de forma sequencial. Enquanto os ventrículos se contraem, na sístole ventricular, e as valvas atrioventriculares estão fechadas, os átrios estão relaxados. Isso permite um fluxo venoso contínuo das veias cavas para o átrio direito, e das veias pulmonares para o átrio esquerdo. Durante essa fase, os átrios funcionam como reservatórios temporários de sangue.
Quando a contração ventricular termina e os ventrículos começam a se relaxar, a pressão intraventricular começa a cair. Quando a pressão nos átrios supera a pressão ventricular, as valvas atrioventriculares se abrem e o sangue que estava nos átrios segue para os ventrículos. Essa fase de enchimento ventricular é passiva e responsável por cerca de 80% do volume de sangue repassado aos ventrículos. Enquanto as valvas atrioventriculares estão abertas, o sangue continua fluindo das veias cavas e das veias pulmonares para os respectivos átrios.
Quando o coração se recupera do período refratário, isto é, quando a repolarização está completa, o nó sinoatrial dispara um potencial de ação que, por sua vez, origina a contração atrial. Ambos os átrios se contraem simultaneamente, fazendo um bombeamento ativo dos restantes 20% do sangue para os ventrículos.
Domine a anatomia do átrio direito e do ventrículo direito com o teste a seguir!
Embriologia dos átrios
O sistema cardiovascular começa a desenvolver-se na terceira semana de gestação. O coração primitivo se forma, aproximadamente, no meio da segunda semana, momento em que o embrião se torna mais complexo e, como tal, já não consegue suprir adequadamente as suas necessidades apenas através da difusão de nutrientes. A esse ponto, o coração é um tubo contínuo com conexões primitivas.
Na quarta semana de gestação começa a diferenciação cardíaca interna. Inicialmente, começam a se desenvolver os coxins endocárdicos nas paredes ventral e dorsal do canal atrioventricular. Esses coxins se aproximam um do outro em direção a um ponto central, até que se fundem um com o outro, levando à formação dos canais atrioventriculares esquerdo e direito. A fusão dos coxins endocárdicos age como uma valva, que impede a regurgitação de sangue dos ventrículos para os átrios e separa essas duas câmaras.
Concomitantemente, o septo interatrial primitivo também começa a se formar. Inicialmente ele é uma estrutura membranosa fina e em forma de meia-lua que se origina no teto dos átrios primitivos e cresce em direção ao coxim endocárdico. Essa membrana é conhecida como septo primário (septum primum), e separa os átrios primitivos em átrio direito e átrio esquerdo. A borda livre do septo primário, juntamente com a borda superior do coxim endocárdico, constituem os limites superior e inferior (respectivamente) de uma abertura chamada de forame primário. Com o passar do tempo, o septo primário continua crescendo em direção aos coxins endocárdicos até se fundir com eles, obliterando, assim, o forame primário.
Antes que o forame primário se feche completamente, na parte superior do septo primário começam a surgir fenestrações que logo coalescem, formando o forame secundário. Essa abertura mantém a comunicação entre os átrios e o shunt fisiológico direito-esquerdo, que antes eram assegurados pelo forame primário. Entre a 5ª e a 6ª semanas de gestação, um outro septo muscular, mais espesso, começa a se desenvolver a partir do teto dos átrios: o septo secundário (septum secundum). Assim como o septo primário e à sua direita, o septo secundário cresce inferiormente em direção aos coxins endocárdicos, cobrindo parcialmente o forame secundário porém sem ocluí-lo. A margem livre do septo secundário forma uma abertura de forma oval chamada de forame oval, que assegura o shunt fisiológico direito-esquerdo até o nascimento do feto. Simultaneamente, a parte caudal do septo primário funciona como uma válvula, que impede o fechamento prematuro dessa passagem.
Antes do desenvolvimento do nó sinoatrial, a automaticidade do coração é regulada pelo miocárdio atrial primitivo. Durante a 5ª semana de gestação, o nó sinoatrial começa a se desenvolver nas paredes do seio venoso direito. À medida que o seio venoso é incorporado na parede do átrio direito, o nó sinoatrial também migra para a sua localização final, perto do orifício da veia cava superior.
Em circunstâncias normais, pouco depois do nascimento, o aumento na pressão sistêmica em comparação com a pressão pulmonar leva a um aumento da pressão nas câmaras esquerdas do coração. Como a pressão no átrio esquerdo passa a ser maior que a do átrio direito, a margem livre do septo primário é empurrada contra o septo secundário, levando à fusão dessas estruturas e ao fechamento do forame oval. Esta fusão já está completa por volta do terceiro mês de vida extrauterina, restando apenas o remanescente do forame oval, a fossa oval.
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Notas clínicas: Principais doenças dos átrios
Apesar da importância dos átrios, recebendo o sangue das circulações sistêmica e pulmonar, armazenando-o temporariamente e iniciando a atividade elétrica do coração, a maior parte do trabalho cardíaco é feito pelos ventrículos. Assim, a maioria das doenças que acometem os átrios podem passar despercebidas até que o indivíduo faça esforços extenuantes. Várias doenças podem acometer os átrios diretamente, mas, na maioria das vezes, a disfunção atrial é secundária a uma disfunção das valvas ou dos ventrículos.
Os problemas congênitos mais importantes associados aos átrios são os defeitos do septo. Outros exemplos são os circuitos elétricos anômalos, que dão origem à taquicardia supraventricular. Os distúrbios atriais adquiridos incluem as arritmias atriais, que podem ser consequência de uma dilatação ou hipertrofia atrial.
Defeitos do septo atrial
O termo defeitos do septo atrial refere-se às condições nas quais ocorre uma comunicação anormal entre os átrios. Esse grupo de condições também pode ser chamado de comunicação interatrial, ou CIA. Lembre-se que, durante a vida intrauterina, há um shunt fisiológico na circulação fetal, fazendo com que o sangue oxigenado (da mãe) entre no átrio direito do feto, passe através do forame oval (ou forame primário e forame secundário antes da 8ª semana de gestação) em direção ao átrio esquerdo, para depois seguir para o ventrículo esquerdo e ser bombeado para o restante do corpo. Em condições normais, essa comunicação interatrial se fecha nos primeiros três meses de vida extrauterina. Caso essa oclusão não ocorra, o shunt vai continuar existindo, sempre da câmara de maior pressão em direção à câmara de menor pressão. Inicialmente, o sangue passará do átrio esquerdo para o direito, já que, após o nascimento, a pressão nas câmaras cardíacas esquerdas é maior do que aquela nas câmaras direitas. Geralmente isso não traz repercussões importantes, já que o sangue proveniente do átrio esquerdo (oxigenado) se mistura com sangue do átrio direito (desoxigenado) e ambos seguem para os pulmões, onde se oxigenam adequadamente. Infelizmente, com o passar do tempo, o átrio direito ficará exposto a uma sobrecarga, recebendo sangue tanto da circulação sistêmica quanto do átrio esquerdo, e seu miocárdio poderá se hipertrofiar. Se a pressão do átrio direito exceder a pressão no átrio esquerdo, o shunt vai inverter (direito-esquerdo). Consequentemente, o sangue não oxigenado deixará de passar pelos pulmões e seguirá direto para o átrio esquerdo, que então irá bombear um sangue com menor saturação de oxigênio para a circulação sistêmica. Nesse momento, o paciente poderá apresentar sinais de hipoxemia.
As CIAs constituem o tipo de cardiopatia congênita mais comum, seguidos pelas valvopatias. O tipo mais comum é o defeito na fossa oval (CIA tipo ostium secundum). Outros exemplos incluem o defeito do coxim endocárdico (CIA tipo ostium primum), o CIA tipo seio venoso e o átrio único. Seis a cada 10 pacientes acometidos são do sexo feminino. Geralmente, os defeitos do septo são diagnosticados na infância, no entanto, também não é raro que sejam identificados somente na vida adulta. Embora a maioria seja esporádica, a base genética para o desenvolvimento das CIAs já está bem documentada. Além disso, algumas síndromes, tais como as síndromes de DiGeorge (microdeleção 22q11.2), de Down (trissomia 21) e de Ellis-van Creveld (mutação 4p16, também conhecida como displasia condroectodérmica), estão associadas a essa condição.
A patogênese dos defeitos do septo atrial pode ser explicada por um dos seguintes mecanismos:
- Degeneração anômala do septo primário: caso ocorra a reabsorção da parte superior do septo primário em um local incorreto, ou caso haja degeneração de uma parte muito grande do septo formando um forame oval muito grande, o mesmo pode não ser totalmente ocluído após o nascimento, resultado em uma CIA.
- Falha na formação correta do septo secundário e, consequentemente, na oclusão adequada do forame secundário.
- Se os coxins endocárdicos não se fundirem, o forame primário ficará patente já que o septo primário não terá uma estrutura com a qual se fundir. Essa é a causa mais frequente de CIA do tipo ostium primum (com defeito do coxim endocárdico).
Distúrbios do nó sinoatrial
O sistema nervoso autônomo regula as atividades do nó sinoatrial. Quando o coração tem contrações atriais coordenadas seguidas de contrações ventriculares normais, dizemos que o batimento cardíaco tem um ritmo sinusal. No eletrocardiograma, esse ritmo é representado por uma onda P de morfologia e orientação normais, com uma onda P precedendo cada complexo QRS e com ciclos cardíacos de intervalo e duração normais.
A frequência cardíaca normal varia entre 60 e 100 batimentos por minuto (bpm). Quando a frequência cardíaca basal é menor do que 60 bpm chamamos de bradicardia sinusal. Essa condição pode ser uma variação da normalidade, ocorrendo, por exemplo, em indivíduos mais atléticos; como também pode ser resultado de alguma patologia. Um exemplo é a doença do nó sinoatrial, representada por uma degeneração do nó sinoatrial ligada ao envelhecimento ou por uma lesão isquêmica, resultando em fibrose do miocárdio especializado. Além da bradicardia sinusal, os pacientes também podem apresentar tonturas, palpitações e episódios de síncope, que ocorrem como resultado de uma parada transitória do nó, assim como arritmias ventriculares.
Taquiarritmia atrial
As taquiarritmias atriais são um grupo de doenças que se associam a uma frequência de contração atrial anormalmente elevada (>100 bpm). Essas contrações são frequentemente descoordenadas e ineficazes, resultando na diminuição do enchimento ventricular. Essas formas de taquicardia geralmente estão associadas a focos ectópicos que propagam impulsos elétricos através de um circuito anômalo. As duas taquiarritmias atriais mais comuns são a fibrilação atrial e o flutter atrial.
Fibrilação atrial
A fibrilação atrial (FA) é uma doença comum nos indivíduos mais velhos, com uma prevalência que aumenta com a idade de 0,5% até cerca de 9% em indivíduos com mais de 80 anos. É caracterizada por espasmos rápidos, irregulares e descoordenados de diferentes partes das paredes atriais, fazendo com que não haja uma contração atrial única e efetiva. A fisiopatologia da fibrilação atrial é complexa e envolve a presença de focos ectópicos, que disparam potenciais de ação descoordenados e deflagram a arritmia; e um mecanismo de reentrada como fator de manutenção da arritmia. A presença de despolarizações ectópicas e circuitos de reentrada contribuem para a perpetuação da FA.
A dilatação atrial e o tecido isquêmico facilitam o desenvolvimento dos circuitos de reentrada. A dilatação do átrio também provoca dilatação do circuito elétrico, atrasando a propagação dos potenciais de ação. Consequentemente, algumas partes do tecido muscular cardíaco acabam se repolarizando após uma contração e podem, por isso, ser despolarizados prematuramente por batimentos ectópicos. Já um evento isquêmico do miocárdio leva à remodelação estrutural do tecido muscular, que não consegue se regenerar normalmente e acaba formando tecido fibroso, que é um mau condutor elétrico. Como consequência, ocorre uma redução da velocidade de condução, levando a uma situação semelhante à descrita anteriormente.
Os impulsos elétricos altamente ineficazes, descoordenados e rápidos dos átrios chegam até o nó atrioventricular (AV), que é bombardeado por muitos estímulos elétricos. Entretanto, apenas alguns desses impulsos elétricos acabam estimulando o nó AV, que dispara potenciais de ação em ritmo também irregular, de acordo com a quantidade de estímulos do átrio que são efetivamente conduzidos. Consequentemente, uma das características da fibrilação atrial é uma frequência ventricular (e consequentemente pulso cardíaco) irregular. No eletrocardiograma, podemos identificar a FA como ausência de onda P (já que não há uma despolarização atrial coordenada), algumas vezes com uma onda F (de fibrilação), associada à frequência cardíaca irregular. Ou seja, não há uma associação clara entre a despolarização atrial e a contração ventricular. Em alguns casos raros de fibrilação atrial associada ao bloqueio atrioventricular (BAV) de segundo grau, o ritmo cardíaco e o pulso podem ser regulares. Isso ocorre porque o BAV faz com que nenhum dos estímulos elétricos desordenados dos átrios sejam conduzidos pelo nó AV, que assume um ritmo próprio e regular.
A fibrilação atrial pode ser classificada em:
- Fibrilação atrial paroxística: duração de até 7 dias (frequentemente menos de 24 horas) e resolução espontânea. Pode ser recorrente.
- Fibrilação atrial persistente: episódios que duram mais de 7 dias e requerem cardioversão química ou elétrica.
- Fibrilação atrial permanente: situações nas quais a cardioversão falhou ou optou-se por não instituir medidas para restaurar ou manter o ritmo sinusal.
Logo após um episódio inicial de fibrilação atrial, ocorrem alterações da eletrofisiologia normal das células, caracterizando um remodelamento elétrico. Com o passar do tempo, caso a fibrilação persista, o tecido cardíaco também será submetido a um remodelamento estrutural que poderá perpetuar, ainda mais, o quadro de FA. Isso explica o fato de a fibrilação atrial ser encarada como uma doença progressiva, na qual um quadro paroxístico pode evoluir para uma FA permanente ao longo dos anos.
Infelizmente, a fibrilação atrial é uma condição associada a grande morbidade devido aos episódios de síncope, palpitações, e ao agravamento de doenças cardíacas subjacentes que podem ocorrer. Também está associada a aumento da mortalidade - não devido à arritmia em si, mas ao aumento do risco de eventos cardiovasculares. A fibrilação atrial e falta de efetividade da contração dos átrios leva à estase do sangue no interior dessas câmaras, o que, por sua vez, favorece a formação de trombos, geralmente dentro da aurícula esquerda. Esses trombos podem, eventualmente, se desprender, levando a um fenômeno tromboembólico.
O tratamento da fibrilação atrial tem como principal objetivo reduzir a morbimortalidade da doença. Isso pode ser feito controlando o ritmo cardíaco (quimicamente, com beta-bloqueadores e/ou antiarrítmicos da classe III, ou eletricamente, através da desfibrilação); controlando a frequência cardíaca (com beta-bloqueadores, digoxina ou verapamil); e fazendo profilaxia de eventos tromboembólicos (com varfarina ou outros anticoagulantes mais modernos). Para pacientes refratários aos tratamentos convencionais, o cateterismo com ablação dos circuitos elétricos anômalos também pode ser uma opção.
Flutter atrial
O flutter atrial é caracterizado pelo batimento rápido e regular dos átrios, que despolarizam-se a uma frequência média de 300 bpm. Geralmente isso ocorre como consequência de grandes circuitos de reentrada na região do ânulo de reentrada do átrio direito, diferentemente da fibrilação atrial, que está associada a focos ectópicos. Nem todos os impulsos atriais são conduzidos pelo nó atrioventricular. Assim, ocorrem diferentes graus de bloqueio atrioventricular (geralmente bloqueio 2:1), com batimentos ventriculares regulares e frequência ventricular que pode chegar a 150bpm. Às vezes, o bloqueio varia de momento a momento, acarretando um ritmo ventricular irregular.
Dependendo da frequência ventricular e da presença de outras cardiopatias de base, os sinais e sintomas do flutter atrial podem variar, sendo escassos ou ausentes se a frequência ventricular for < 120bpm. Se a frequência for mais elevada, o paciente pode apresentar palpitações e os ventrículos podem não ter tempo de se encherem adequadamente antes da sístole, gerando sinais e sintomas de baixo débito cardíaco (dor torácica, falta de ar, fraqueza e síncope). O diagnóstico do flutter atrial é realizado através do eletrocardiograma, que mostra ondas em forma de serra patognomônicas correspondentes à atividade elétrica atrial. Além disso, o flutter atrial sempre deve ser considerado em pacientes com taquicardia com complexo QRS estreito e frequência > 150bpm.
A cardioversão química (amiodarona) ou elétrica (desfibrilação) pode ajudar a restabelecer um ritmo sinusal normal, enquanto o controle da frequência pode ser realizado com beta-bloqueadores, digoxina ou verapamil. A amiodarona e os beta-bloqueadores previnem a recorrência do flutter atrial. A ablação por cateterismo é a única opção que oferece um tratamento definitivo, resultando na cura completa em até 90% dos casos.
Dilatação dos átrios
A dilatação atrial se refere ao aumento de volume dos átrios. Esse processo é sempre patológico e decorre de alguma doença que causa aumento da sobrecarga atrial, levando ao remodelamento cardíaco, hipertrofia, e posteriormente à dilatação das câmaras. Assim, o espectro de fatores etiológicos inclui (mas não se restringe a) defeitos do septo, valvopatias, e hipertensão arterial (tanto sistêmica como pulmonar).
Dilatação do átrio esquerdo
A dilatação do átrio esquerdo é mais frequente que a do átrio direito, principalmente porque as causas que levam à dilatação do átrio esquerdo também são mais frequentes. As causas podem ser divididas em congênitas (como defeitos do septo ventricular ou persistência do canal arterial) ou adquiridas (como hipertrofia ventricular esquerda, insuficiência mitral secundária a hipertensão crônica, ou estenose mitral).
Uma outra forma de classificar as doenças que causam dilatação do átrio esquerdo é agrupando-as em dois grupos: as que causam sobrecarga de volume (defeitos do septo, persistência do canal arterial, regurgitação mitral); e as que causam sobrecarga de pressão (hipertensão arterial crônica, estenose da valva mitral, hipertrofia ventricular esquerda). Independente da causa, o átrio sobrecarregado acaba evoluindo com remodelamento do miocárdio e dilatação atrial.
A dilatação dos átrios é fator de risco independente para o aumento da morbidade e da mortalidade, já que se associa à fibrilação atrial, a fenômenos tromboembólicos (descritos anteriormente) e à hipertensão pulmonar. Além dessas complicações, os pacientes também podem apresentar paralisia do nervo laríngeo recorrente (síndrome de Ortner) e, em casos mais graves, distúrbios de deglutição devido ao efeito de massa provocado pelo aumento do átrio esquerdo (disfagia cardiovascular). Na derivação DII do eletrocardiograma, observam-se ondas P bífidas (com pelo menos um quadrado pequeno - 0,04 segundos - entre os dois picos) e aumento da duração total da onda P (cerca de 0,11 segundos). Na derivação V1 a onda P é bifásica, com o componente negativo (correspondente à despolarização do átrio esquerdo) com mais de 1 mm de profundidade. Contudo, o diagnóstico definitivo é feito pelo ecocardiograma, que permite medir o volume do átrio esquerdo.
Dilatação do átrio direito
Tal como a dilatação do átrio esquerdo, a dilatação do átrio direito também pode ser decorrente de uma sobrecarga de volume ou de pressão. O aumento da pressão no átrio direito pode ser secundário a uma estenose da valva tricúspide ou das valvas pulmonares, a uma hipertrofia do ventrículo direito, ou à hipertensão pulmonar, secundária a uma doença pulmonar crônica, que transmite a sobrecarga de pressão retrogradamente até o átrio. Um defeito do septo atrial com um shunt esquerdo-direito também pode levar a um aumento da pressão no átrio direito.
Já a insuficiência da valva tricúspide, seja devido a uma valvopatia primária ou à sequela de uma cardiopatia dilatada, provoca refluxo do sangue do ventrículo direito para o átrio direito, podendo levar a uma sobrecarga de volume no átrio. As consequências são parecidas com as observadas na insuficiência da valva mitral no átrio esquerdo. O ecocardiograma é o exame de escolha para fazer o diagnóstico, mas algumas alterações do eletrocardiograma podem ajudar a suspeitar do quadro. Essas alterações incluem o aumento da amplitude da onda P nas derivações inferiores (>2,5mm) e nas derivações pré-cordiais (> 1,5mm).
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